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Estupradores voltam a violentar

Mato Grosso não oferece tratamento para criminosos sexuais, o que gera reincidência nos casos de abusos de sexuais, atentado violento ao pudor e estupros quando essas pessoas voltam ao convívio social. Apenas três psiquiatras forenses são responsáveis por todo sistema penitenciário, mas apenas concedem laudos sobre sanidade mental. Não há qualquer trabalho individualizado, com acompanhamento psicológico e psicossocial. Um exemplo disso aconteceu há 8 dias, quando três dias depois de ter sido solto pela justiça de Sinop (500 km ao norte de Cuiabá), Manoel Antônio de Oliveira, 25, usuário de drogas, voltou a estuprar. A vítima foi uma senhora de 74 anos, no bairro Santa Isabel, na Capital.
O rapaz cumpria pena por estupro seguido de morte da vítima Rosalina Marques da Silva, morta no dia 20 de outubro de 2002 em Rosário Oeste. Apesar de ter sido condenado a 23 anos de prisão, ele cumpriu 6 anos e 28 dias de pena, o que significa 1/6 da pena no regime fechado e conseguiu o direito de progredir para o regime semi-aberto. Por não existir colônia agrícola, industrial ou casa do albergado na comarca, optou-se pelo cumprimento de pena no regime domiciliar. Conforme o despacho do juiz, a direção da penitenciária local atestou que o reeducando tinha "bom comportamento carcerário".
Nas palavras do magistrado, é preferível soltar a submeter os detentos, que mesmo presos são cidadãos brasileiros, a condições degradantes de acomodação, que lembram mais às masmorras.
Para a juíza auxiliar da Corregedoria do Tribunal de Justiça, Selma Arruda, que é da Vara de Execuções penais de Cuiabá, criticar a progressão de pena é mais fácil, mas é apenas um dos lados da questão. A constituição brasileira garante o direito ao cumprimento da pena em regime progressivo. Portanto, a lei de crimes hediondos nasceu fadada ao fracasso, porque contraria à legislação soberana. "Ela foi útil por um tempo, quando não havia a lei nova para o tráfico de drogas, porque era uma justificativa para mantermos por mais algum tempo os traficantes na cadeia, mas agora perdeu o sentido".
Ela explica que o índice geral de pessoas que voltam a cometer atos ilegais, mesmo depois de ter cumprido pena, está em torno de 85%, o que significa dizer que algo realmente está errado. Se mesmo depois de passar anos trancada em um espaço, onde deveria sair pronta para voltar à sociedade, a pessoa sai e comete os mesmos ou até crimes piores, é porque há falhas graves.
"O que temos hoje são depósitos de gente. Se não houver uma opção por investimentos para tratar e de fato reeducar os presos, infelizmente a violência aqui fora não vai reduzir, porque eles vão sair e reincidir".
Precariedade - O psiquiatra forense e responsável por perícias em saúde mental, Zanizor Rodrigues da Silva, critica a atuação do Estado por não tratar adequadamente os presos. Aqueles que têm diagnosticado insanidade mental, têm sido trancafiados em jaulas, em um método antiterapêutico inclusive. Aqueles que cometem crimes sexuais necessitam teoricamente de análise criminológica, mas o que se vê hoje nas penitenciárias é fanatismo religioso. Os abusadores e estupradores são colocados nas alas evangélicas para poderem sobreviver. Mesmo que a pena de morte no Brasil não tenha sido instituída, ela acontece no interior dos presídios.
Zanizor pontua que todos os presos deveriam ter tratamento individualizado, principalmente aqueles que cometem crimes sexuais. Para haver ressocialização, eles precisam ser avaliados do ponto de vista médico, se têm psicopatia ou algum outro transtorno, até para que haja tratamento adequado, muitas vezes, sem necessidade de estar em regime fechado. Há casos em que os abusos são cometidos devido a um excesso de hormônio masculino, que pode ser resolvido a partir de acompanhamento ambulatorial. Existem ainda os psicóticos, detentores de graus de psicopatia ou algum outro transtorno psiquiátrico que precisam ser vistos. "Para isso é preciso ter estrutura, local adequado e especialistas".
A titular da Delegacia de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Deddica), Mara Rúbia Ferreira, diz que há um problema hoje em acompanhar os casos julgados mas, em geral, os agressores são soltos sem estarem preparados para voltarem ao meio social. Apesar do sistema jurídico ter como regra geral a liberdade e servir de referência para o mundo em democracia, as pessoas não estão educadas, nem possuem valores morais para usufruírem dessa conquista. "O sexo é um processo instintivo. A compulsão é a mesma que ocorre quando surge a vontade de comer, há inclusive estudos científicos que comprovam que há homens biologicamente mais suscetíveis a desenvolverem o problema, algo que pode ser tratado".
Não adianta apenas punir os "transgressores" ou "pervertidos". É preciso quebrar o tabu e discutir o assunto: sexualidade. Tirar da cabeça que seja algo ruim ou pecaminoso, para educar as pessoas para exercerem o sexo com responsabilidade e respeito ao próximo. A delegada lembra que no Nordeste há um juiz que conseguiu montar uma equipe multidisciplinar para atender os presos por crimes sexuais, indo à raiz ou a causa da questão. "Existem muitas crianças lindas. A beleza chama a atenção, mas essas pessoas precisam entender que não justifica deixar o lado pervertido sobrepor. Isso se chama educação, adotar valores morais".
Polêmica - O promotor da Vara da Infância e Adolescência de Cuiabá, José Antônio Borges, pontua que a tendência é de que a violência praticada se reproduza, por isso é preciso dar atenção aos agressores. Apesar de gerar discussões na esfera dos direitos humanos, ele defende que em casos considerados graves, onde não seja comprovada a partir de laudos a possibilidade de recuperação, que haja castração química do criminoso, para que não produza mais hormônios masculinos (testosterona), assim não há mais libido, ímpeto sexual. Outra possibilidade é uma medida de segurança que impeça o convívio social para o resto da vida. "Os especialistas podem identificar quando não existe meios de cura, mas essas pessoas acabam voltando, pois não há legislação que atenda a esse tipo de situação".
Outro caso - O homem que estuprou e degolou Bruna Damázio, 11, em Tangará da Serra há cerca de dois meses, estava em liberdade condicional por um estupro. Odimar Melo Machado, 27, atacou a menina no caminho por onde ela passava todos os dias para ir de casa para a escola. No dia do crime, Bruna foi cedo para o colégio, pois teria atividades extras. Na hora do almoço ela não retornou. A menina foi encontrada morta, estava seminua. Odimar Melo Machado, 27, foi morto no dia seguinte ao crime cometido em Tangará da Serra, quando tentava fugir da cidade, por um morador que desconfiou que ele era o estuprador. Teste de DNA comprovou que ele era o assassino. O caso mexeu com a opinião pública local.
Estupradores voltam a violentar. Gazeta Digital. Disponível em:<http://www.gazetadigital.com.br/conteudo/show/secao/9/materia/195934/t/estupradores-voltam-a-violentar>. Acesso em: 04 nov. 2017.

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