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Mudanças na Lei 213 do CP e suas interpretações.

No Brasil, O Código Penal sofreu considerável modificação com o advento da Lei Ordinária Federal n. 12.015, de 07.08.29, alterando o artigo 213 e acrescentando o artigo 217-A, ambos relacionados ao crime de estupro. Para início de conversa, é importante dizer que a Lei 213 do Código Penal está em sintonia com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, descrita no artigo 1° inciso III da Constituição Federal. O artigo diz que “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana”.
A Lei 213 tutela a dignidade social da vítima, constrangida, mediante violência ou grave ameaça. Antes da reforma na Lei, o vocábulo estupro estava restrito a incriminação por constrangimento de uma mulher, fruto da conjunção carnal. Outros atos libidinosos eram, tipificados no artigo seguinte que protegia também os homens. As mudanças, advindas da Lei de 2009, seguiram o modelo de outros países como México, Argentina e Portugal, e, portanto reuniu-se os dois crimes num só tipo penal, gerando, desse modo, uma nova acepção ao vocábulo estupro.
Nesse ensejo, com a fusão do crime de atentado violento ao pudor (art. 214) ao novo crime de estupro (art. 213), caracteriza-se estupro não apenas a conjunção carnal, mas o comportamento de obrigar a vítima a praticar ou permitir que com o agente se pratique ato libidinoso em desfavor da vítima.
O crime de estupro é considerado hediondo de acordo com o artigo 1° inciso V, da Lei 8.072/90. A palavra hediondo vem do vocábulo em latim foetibundus, que significa, “aquilo que cheira mal”, portanto crimes hediondos são aqueles que causam repulsa e grande indignação social .

Das mudanças sofridas pelo código com o advento d Lei 12.015/2009 podemos citar também:

1-  Antes o crime de estupro era bipróprio, ou seja exigia a presença de dois sujeitos um ativo (homem) e um passivo (mulher). Com a reforma o delito se torna bicomum, tanto homens quanto mulheres podem praticar ou sofrer a ação penal. A expressão “mulher”, sujeito passivo do ato, foi substituído pela palavra “alguém”. Nesse ensejo, CUNHA (2017) diz que até mesmo uma prostituta pode ser vítima do estupro. Ainda que as prostitutas monetizem o seu corpo, ela desfruta do direito de recusar ou aceitar o seu cliente, já que o bem jurídico protegido é a dignidade sexual, o direito de dispor do corpo, a tutela do critério de eleição sexual de que desfruta na sociedade.

Considerando que a Lei 213 do código penal que agora vigora considera todo ato libidinoso como estupro, surge uma questão, o que seria um ato libidinoso? De acordo com o Manual de Direito Penal de Rogério Cunha:

“A expressão "outro ato libidinoso" é bastante ampla, porosa e, se não interpretada com cautela, pode culminar em séria injustiça, como já registrada pela nossa jurisprudência quando os Tribunais subsumiam ao tipo do antigo art. 214 do CP o simples beijo lascivo. Deve o aplicador aquilatar o caso concreto e concluir se o ato praticado foi capaz de ferir ou não a dignidade sexual da vítima com a mesma intensidade de uma conjunção carnal”.

A Lei 213 também afirma que o constrangimento ocorre por meio de violência ou grave ameaça:

1- A violência deve ser material, isto é, emprego de força física suficientemente capaz de impedir a mulher de reagir.

2- A grave ameaça se dá através de violência moral, direta, justa ou injusta, situação em que a vítima não vê alternativa a não ser ceder ao ato sexual.

De acordo com a maioria da doutrina, não há necessidade de contato físico entre o autor e a vítima, cometendo o crime o agente que, para satisfazer a sua lascívia, ordena que a vítima explore seu próprio corpo (masturbando-se), somente para contemplação (tampouco há que se imaginar a vítima desnuda para a caracterização do crime- RT 4291380).

MIRABETE emende imprescindível sua presença, e, comentando o artigo antes da reforma, argumentava:
"A vontade de constranger, obrigar, forçar a mulher é o dolo do delito de estupro. Exige-se, porém, o elemento subjetivo do injusto (dolo específico), que é o intuito de manter conjunção carnal."

Já FERNANDO CAPEZ, com a maioria, ensina que nenhuma finalidade especifica é necessária para que se configure o crime de estupro:

 "Emendemos que não é exigida nenhuma finalidade especial, sendo suficiente a vontade de submeter a vítima à prática de relações sexuais completas. O que pode causar certa dúvida é o fato de que tal crime exige a finalidade de satisfação da lascívia para a sua caracterização. Ocorre que se trata de um delito de tendência, em que tal intenção se encontra ínsita no dolo, ou seja, na vontade de praticar a conjunção carnal. Deste modo, o agente que constrange mulher mediante o emprego de violência ou grave ameaça à prática de có- pula vagínica não age com nenhuma finalidade específica, apenas atua com a consciência e vontade de realizar a ação típica e com isso satisfazer sua libido (o até então chamado dolo genérico)." 
Diante de tudo isso, temos que até 2009, havia diversas classificações para os crimes sexuais, derrubadas quando todo o tipo de violência sexual passou a ser considerado crime de estupro.
A mudança foi considerada um avanço em favor dos direitos das mulheres, mas para Ana Gabriela Braga, professora do curso de Direito na Unesp, trouxe um problema.
"A gente comemorou, mas aí veio essa resposta: o crime ficou muito grave, então não vai condenar. Nesse caso, enrijecer (a lei) é questionável, porque olha o que a gente teve de volta."

BRASIL. Lei nº 12.015, de 07 de outubro de 2009.

Lei do Estrupo e suas consequências. Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8236>. Acesso em: 27 nov. 2017.

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