O caso das ejaculações nos ônibus: entre o juízo moral e julgamento jurídico – Por Isaac de Luna Ribeiro
ESTUPRO, VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE, ATO OBSCENO, IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR OU ESTUPRO DE VULNERÁVEL?
Caso1: Um homem foi preso na noite do domingo (27), acusado de mostrar seu pênis e ejacular em uma mulher dentro de um ônibus em Aracaju. Levado à delegacia, o suspeito foi autuado pelo delito do art. 233 do Código Penal (ato Obsceno), com pena de 6 meses a 1 ano, sendo liberado em seguida, por tratar-se de crime de menor potencial ofensivo nos termos da lei 9.099/95 (pena menor que dois anos).
Caso 2: Homem ejacula no pescoço de uma mulher dentro de um ônibus em São Paulo no dia 30 de agosto. O agressor foi detido e levado à delegacia onde o delegado o atuou em flagrante delito pela prática da contravenção de Importunação Ofensiva ao Pudor – Lei das Contravenções Penais (3.688/1941, art. 61).
Caso 3: Um homem foi preso em flagrante, nesta quinta-feira (31/08) dentro da estação Mato Alto do BRT na zona oeste do Rio, após ejacular na perna de uma passageira que dormia em assento ao seu lado. O agressor foi encaminhado para a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher de Campo Grande e indiciado por Importunação Ofensiva ao Pudor.
Nos três casos, ocorridos num intervalo de cinco dias, temos o mesmo fato: um homem que ejacula sobre uma mulher dentro de um coletivo urbano. Os três casos causaram comoção pública e pressão popular os juízes, vez que em nenhum deles o acusado ficou preso ou foi indiciado pelo crime de Estupro, como reclama os programas da mídia televisiva, principalmente, e a “voz da opinião pública”. Enfim, estariam os três juízes equivocados, sendo complacentes ou instigando a impunidade nesses casos? Vamos, pois, a análise jurídico-penal da questão.
Para a solução jurídica do caso o juiz deverá buscar no ordenamento jurídico-penal vigente a norma que mais se adequa ao caso concreto. Comecemos pelo critério da exclusão, ou seja: eliminemos desde logo as normas que flagrantemente não se adequam ao caso:
– Assédio Sexual – art. 216-A do Código Penal: trata-se de norma penal de aplicação restrita aos casos de constrangimento por importunação (sem violência ou grave ameaça) ocorridos nas relações hierárquicas típicas do mundo do trabalho, derivadas de emprego, cargo ou função. Apesar de alguns veículos de imprensa tratar os casos como assédio, o que na tradução literal do verbete (assediar) no dicionário tem significado adequado para expressar a mensagem, no caso penal o tipo não corresponde ao fato, devendo, portanto, ser excluído.
– Violação Sexual Mediante Fraude – art. 215 do Código Penal: uma análise ampliada do tipo pode levar a compreensão de que ele solucionaria o caso, já que descreve a seguinte conduta: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”. O professor doutor Afrânio Silva Jardim, por exemplo, fez analise na sua conta do Facebook, opinando pela aplicação do artigo 215 no caso concreto: “Desta forma, parece-me que a conduta tão debatida se enquadra na parte final do artigo 215 do Cod. Penal, pois a vítima estava impedida de manifestar a sua vontade em oposição ao ato a que estava sendo submetida.”[11] . Ocorre que o tipo penal trata da questão do consentimento da pratica sexual da ofendida mediante erro. Isso significa que a vítima, enganada quanto a identidade do agente (que pensava ser seu namorado, mas era o irmão gêmeo do mesmo, por exemplo), permite a prática sexual; ou quando uma paciente deixa-se tocar nas partes intimas por um médico acreditando que aquele ato faz parte do procedimento da sua consulta ou tratamento. O professor Afrânio fala da parte final do artigo, que diz haver também o crime se cometido por “outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”. Porém, não se pode perder de vista que, na modalidade prevista no art. 215 a vítima consente o ato mediante o erro ou o engano, tratando-se, na verdade, como bem expõe Luiz Flavio Gomes, de verdadeiro “estelionato sexual” (p. 636)[12]. O tipo, portanto, não parece adequado para a melhor solução do caso, devendo ser excluído pelo magistrado.
– Ato Obsceno – art. 233 do Código Penal: É crime de Ultraje Público que ofende a moral sexual média da coletividade. Nesse caso não há violência ou grave ameaça, pois o agente não pratica o ato contra uma pessoa determinada, mas em face da sociedade – são atos, em regra, de exibicionismo como a nudez pública ou a prática de atos sexuais em locais públicos, abertos ou expostos ao público, conforme lição de Rogério Sanches da Cunha (p. 280). Masturbar-se no ônibus é conduta típica adequada ao que dispõe a norma do artigo em comento, já que deveras ofensiva a moral sexual coletiva. O enquadramento do fato nesse dispositivo legal parece ser, do ponto de vista jurídico, adequado, ainda que se questione se suficiente diante “clamor público” (sobre essa questão indico o excelente livro de Marco Antonio Ferreira Lima e Ranieri Ferraz Nogueira, Prisões e Medidas Liberatórias, Editora Atlas, p. 81-93).
– Estupro – art. 213 do Código Penal: o Estupro é um crime de constrangimento ilegal específico, ou seja, com finalidade especial de prática de ato libidinosos para satisfação da lascívia. O legislador, ademais, definiu as formas específicas pelas quais o agente deve proceder o constrangimento em busca do fim desejado (conjunção carnal ou outro ato libidinoso), quais sejam: violência ou grave ameaça, nos termos do art. 146 do Código Penal (Constrangimento Ilegal), como muito bem colocado por Eneida Orbage de Brito Taquary (p. 53). Assim, o constrangimento do crime de Estupro não se confunde com o constrangimento do crime de Assédio Sexual, por exemplo, que se perfaz pela importunação, insistência inconveniente ou ameaças veladas relacionadas ao emprego, cargo ou função (não em relação a vida ou a integridade); também se diferencia da Violação Sexual do art. 215, que se dá mediante fralde ou outro meio que leve a vítima a consentir o ato por engano. No Estupro, a violência ou a grave ameaça de que trata a norma é contra a pessoa, sua integridade ou a sua vida – não há Estupro mediante fraude, engano ou ameaça de demissão do emprego.
Nos casos em exame temos que a vítima foi surpreendia pela ejaculação, não tendo sido submetida a violência ou grave ameaça prévia para consentir o ato. Atentos ao princípio da taxatividade e a vedação da analogia, difícil definir a conduta nos termos do art. 213 e, portanto, de indiciar o acusado pelo crime de Estupro. Em seu Crimes Contra a Dignidade Sexual, Guilherme de Souza Nucci lamenta que a ausência de um tipo intermediário entre o Estupro e a Importunação implique sempre no reconhecimento desse último (p. 60), já que não poderá o juiz, no caso concreto, aplicar a regra do art. 213 ausente a violência física real ou a grave ameaça, também chamada de violência ficta.
– Importunação Ofensiva ao Pudor – art. 61da Lei das Contravenções Penais (3.688/1941): Como se deduz, não se trata de um crime, mas de uma contravenção penal que tutela o pudor público e individual, já que, diferentemente do crime de Ato Obsceno, refere-se ao ato de “importunar alguém”, ou seja, uma pessoa específica, desde que “em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”. Não parece ser a melhor solução para o caso, apresentando-se apenas como a menos ruim no campo das possibilidades – esse também é o entendimento de Cezar Roberto Bitencourt, para quem a desproporcionalidade dos resultados impede a aplicação da norma do art. 213, restando ao julgador a contravenção do art. 61 da LCP para o caso (p. 50-51).
Por fim, há também a questão que diz respeito ao que dispões o delito do art. 217-A, norma introduzida no nosso ordenamento pela Lei n. 12.015/09: Estupro de Vulnerável. Encontra-se no parágrafo único do referido artigo o reconhecimento do crime de Estupro de Vulnerável quando o ato for praticado contra pessoa que “por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”. A narrativa dos fatos trazida por matérias jornalísticas, a se confirmar nos autos do processo, dão conta de que as vítimas foram surpreendidas pela ejaculação, e nesse caso teriam sofrido uma intervenção física sem que tivessem possibilidade de manifestar-se sobre o consentimento ou não do ato.
A gravidade do fato e a inegável repulsa social que causa na coletividade levam ao desejo de interpretar a norma do art. 217-A como adequada para os casos. Entretanto, para configuração do crime exige-se que a vítima pratique algum ato ou permita que com ele se pratique libidinagem. Na espécie, estaríamos diante do tipo se o agente introduzisse os dedos na vagina da passageira que estava a dormir, ou, estando em pé a sua frente retirasse o pênis da roupa e o colocasse na boca da vítima, aproveitando-se do seu estado sonolento para obter dela, ainda que rapidamente, sexo oral, ou, ainda, se encontrando o agente uma passageira sob efeito de álcool no ônibus, utilizasse as mãos dela para praticar masturbação, ou a penetrasse vaginal, anal ou oralmente.
Caso das ejaculações nos ônibus. Empório do Direito. Disponível em:<http://emporiododireito.com.br/backup/tag/caso-das-ejaculacoes-nos-onibus/>. Acesso em: 17 out. 2017.
Caso das ejaculações nos ônibus. Empório do Direito. Disponível em:<http://emporiododireito.com.br/backup/tag/caso-das-ejaculacoes-nos-onibus/>. Acesso em: 17 out. 2017.
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